Semana Santa Restaurada

Por Monsenhor Léon Gromier


Semana Santa Restaurada por Monsenhor Léon Gromier

Conferência ministrada em Paris em julho de 1960 (tradução do original em francês)


Nota de uma tradução inglesa: Monsenhor Gromier, Consultor da Congregação dos Sagrados Ritos sob o Papa Pio XII, usa o termo pastoral ou pastorais, no substantivo significando uma pessoa, ou um grupo de pessoas, com idéais pastorais. No contexto desta conferência, o termo denota alguém que deseja modificar a liturgia sob um pretexto pastoral. Pode-se falar também de pastoralismo, noção segundo a qual a liturgia tradicional seria absolutamente irrelevante para o homem moderno e, portanto, deveria ser reformada. É fato que um rito extremamente semelhante ao Novus Ordo já estava sendo discutido e apresentado em 1948, o mesmo ano em que Bugnini foi nomeado para a Congregação dos Ritos. Podemos concluir que as reformas de Pio XII e João XXIII fazem parte do Novus Ordo. Monsenhor Gromier percebeu imediatamente a charada.


A “Semana Santa Restaurada” foi em primeiro lugar uma questão de horário. Tratava-se de pôr em prática a Vigília Pascal baseada no dogma pastoral da Ressurreição à meia-noite em ponto. Esse dogma não se sustenta facilmente, pois por que razão se submeter à tal dogma quando as Missas vespertinas, praticamente, admitem a celebração a qualquer hora do dia e da noite, mesmo depois do canto (do Ofício) das Vésperas, e quando a Missa Conventual se celebra indiferentemente depois (dos Ofícios) de Terça, Sexta ou Nona? Outra oposição: as regras do culto têm como fundamento, além do curso do sol, a disciplina do jejum, que foi fortemente suavizada, donde resulta que o edifício restaurado parece ser um castelo de cartas. O zelo pastoral se estendeu, após o Sábado Santo, ponto culminante, à toda Semana Santa que segue o Domingo de Ramos.

A antecipação progressiva dos últimos três dias, e depois o adiamento para a noite originária, abre-nos um debate. No preâmbulo do Decreto geral (da aprovação da “Semana Santa Reformada”, Maxima Redemptionis) se afirma que, no final da Idade Média, as solenidades supracitadas foram antecipadas para a manhã. Ora, a Bula de São Pio V, Ad cujus notitiam, de 29 de março de 1566, portanto 113 anos depois do fim da Idade Média, proíbe o que ainda se fazia, por permissão ou costume, nas igrejas catedrais, colegiais, conventuais e outras, ou seja, celebrar o Sábado Santo e outras solenidades durante a noite ou ao pôr do sol. O objetivo é evidente: a pastoral deve restaurar, reparar os danos; quanto mais graves tais danos eram, mais a restauração era bem-vinda. Deus quem sabe se a restauração a ser feita, antes de qualquer outra, não era para abolir a Bula de São Pio V, deixando aos Bispos a liberdade tão desejada de escolher a hora da tarde mais vantajosa para as cerimônias da Semana Santa: permitindo também, a quem quisesse, fazer a comunhão, que tinha sido abolida por medo de que o celebrante não estivesse em jejum nas horas da tarde para celebrá-la.

Sua terminologia merece atenção, pois um apologista nos mantém na ignorância. Até agora conhecíamos o Domingo da Paixão, o Domingo de Ramos, a Segunda, Terça e Quarta-Feira da Semana Santa, Quinta-Feira Santa in Coena Domini em latim, Sexta-Feira Santa in Parasceve em latim e o Sábado Santo. Já que se quer amplificar a solenidade da procissão dos Ramos, por que colocar este Domingo em dependência da Paixão, e não lhe deixar o seu antigo nome de Domingo dos Ramos, que todos compreendem e que não engana ninguém? Se o Sábado Santo é assim chamado, a Sexta-Feira pode muito bem chamar-se o mesmo, por todos os cristãos do mundo. Há quase 2000 anos que se chama in Paravesce (em Preparação), só o nome demonstra a sua antiguidade; então, por que o substitui-lo por Paixão e Morte do Senhor, expressão inútil, não tradicional, desconhecida no Canon da Missa? Em estilo eclesiástico paixão significa sofrimentos até a morte inclusive. Se o substantivo morte fosse tão necessário, o bom senso exigiria sobretudo que ele fosse adicionado no título do Evangelho à palavra paixão: Passio Domini nostri Jesu Christi, chamado agora de história da Paixão.

A ocasião se apresenta para examinar as capacidades jurídicas da pastoral. Não basta falar de uma coisa para a criar. Ofício in choro significa um lugar litúrgico ou eclesiástico onde se procede segundo as regras litúrgicas. Ofício in communi não designa lugar nem pessoa; trata-se de um grupo de pessoas reunidas sem mandato nem entidade jurídica e a quem agrada rezar coletivamente o Ofício privado. O Breviário distingue in choro e extra chorum; não existem meios termos.

Que as Vésperas da Quinta-Feira e da Sexta-Feira Santa sejam omitidas, suprimidas, eis que se atinge o cúmulo da arbitrariedade, sobretudo quando se invoca este motivo: a Missa substitui as Vésperas porque ela é o principal. Ora, entre a Missa e as Vésperas não há rivalidade, as Vésperas têm a mesma principalidade que as outras funções litúrgicas. Segundo os tempos e os lugares, as Vésperas foram encurtadas depois da Missa de Sábado; foram-no também depois da Missa da Quinta e da Sexta-Feira, nunca, porém, se pensou em aboli-las. O horário restabelecido pelos pastorais concorda perfeitamente com o fato histórico, ou seja, jejum até às Vésperas, que são precedidas da Missa e da comunhão. As Vésperas do Sábado são à tarde, antes da Missa que é noturna, mas qual razão pode proibir as Vésperas de Quinta-Feira e Sexta-Feira, após a Missa que não é noturna por definição? O Sábado Santo sem o Ofício de Completas é inexplicável; a Quinta-Feira e Sexta-Feira Santa, com suas Completas, mas sem suas Vésperas, desafiam a lógica, pois mesmo se formos para a cama tarde, ainda assim iremos para a cama e precisaremos fazer nossas orações (N.T.: O Ofício de Completas é, para o clérigo ou o religioso obrigado à reza do Breviário, a oração da noite por excelência).

Para qualificar a Procissão dos Ramos, as cerimônias da Sexta-Feira Santa e da Vigília Pascal, os pastorais empregam o adjetivo solene, mas não o fazem para todas as outras. Ora, a solenidade das cerimônias litúrgicas não é uma decoração facultativa, ela tem a ver com a natureza da cerimônia, ela resulta de todos os seus elementos constitutivos, não só de alguns. Todos os manuais explicam quais são as funções solenes e as que não são solenes. Para além disso, uma suposta solenidade não passa de um atrativo amplificado, para causar impressão e melhor atingir o objetivo. É preciso saber que, por hábito bastante recente, se faz um uso prodigioso da palavra solene, mesmo para atos necessariamente solenes, inseparáveis de solenidade. Estão brincando com as palavras em acreditar que se coloca mais solenidade na Procissão dos Ramos do que na da Candelária (no dia da Purificação de Nossa Senhora), mais solenidade na Procissão da Quinta-Feira Santa do que na Sexta-Feira Santa (abolida, como veremos). Sempre no mesmo declive, aprendemos que a Paixão da Sexta-Feira Santa é cantada de maneira solene, como se pudesse ser de outra maneira.

Digno de admiração é o poder dos pastorais que se manifesta pela anulação do desafortunado e triste cânone 1252 §4, sobre o jejum do Sábado Santo.

Nesse dia nos é dito que, sob o símbolo do Círio Pascal, está representado o nosso Redentor, luz do mundo, que, pela graça da sua luz, afugentou as trevas dos nossos pecados, etc... Nisso pairava outrora um pouco de mistério, sem riscos para o ensino. Agora queremos pôr os pontos nos is, o que suscita um pouco de incerteza. Os diferentes tempos e lugares fornecem-nos uma acumulação caótica de ritos, onde é preciso procurar o fio condutor. Como consequência do primitivo e quotidiano Lucernário, o fogo produzido, quer seja retirado de um esconderijo que o conservava, quer aceso pelos raios de sol e pela lupa, quer transmitido pelo isqueiro, acende para a noite pascal um meio de iluminação, o Círio Pascal, acompanhado da proclamação do mistério pascal. A presença simultânea e histórica de dois Círios Pascais não se enquadra de modo algum com a tese dos pastorais. A iluminação do Círio é o ato de primeira necessidade contra as trevas, e deve evocar o Cristo vivo – mas se antecipa excessivamente o anúncio da Ressurreição. A ampliação que o Círio recebe dos pastorais faz com que ele se pareça mais com um fim do que com um meio. Outrora suposto a abençoar, e até consagrado segundo os autores, hoje bendito, o Círio Pascal torna-se um objeto que mantém um meio-termo entre uma Cruz, um Evangeliário e uma Relíquia. Tudo isso se verá mais claro quando chegarmos ao dia do Sábado Santo.

Durante toda a Semana Santa, todos os textos cantados pelo Diácono, pelo Subdiácono e pelos cantores são omitidos pelo Celebrante, que não tem que lê-los. Não importa como cantam os celebrantes (muitas vezes mal), se eles se fazem ouvir e entender, se os alto-falantes são inteligíveis. Devemos ouvir. Eis uma vitória! Os pastorais se deleitam com isso como um retorno à antiguidade, um penhor para o futuro, um antegosto das reformas que estão por vir. Isso pode interessar os fiéis habituados a se servir de um livro, que, com o nariz em seu Missal, se isolam da comunidade, sic! A distinção é feita entra a leitura somente com os olhos e a leitura labial. Não é sustentável, dizem eles, ler com os lábios algo que outra pessoa está cantando. Mas, a leitura com os olhos pode sustentar-se, tem uma idade respeitável, começou por necessidade, continuada por utilidade, realizada em sinal de dignidade, faz parte da assistência pontifical do Papa e do Bispo.

Para não esquecer nada, ensinam-nos que é solene também o Altar do descanso da Quinta-Feira Santa – algo que nunca disse o Missal, melhor redigido do que certas rubricas. Elas exprimem dois desejos e uma proibição: o clero fará bem, em primeiro lugar, em manter as velas acesas durante o canto do Exultet, em seguida, durante um diálogo entre o Celebrante e os fiéis antes da Missa. É proibido segurar as palmas durante o canto da Paixão. Em suma, eles pretendem criar duas obrigações para duas novidades; eles abolem uma prática antiga, que encontra a sua explicação em Santo Agostinho (homilia em Matinas (do sábado) anterior ao Domingo de Ramos): “Os ramos de palmeira são louvores significando a vitória, pois o Senhor estava a ponto de vencer a morte ao morrer, e triunfar sobre o diabo pelo troféu de Sua cruz”.

A Vigília de Pentecostes é despojado de seu caráter batismal, tornou-se um dia como outro qualquer, e fez com que o Missal mentisse no Canon. Essa Vigília foi como um vizinho irritante, um rival perigoso! A posteridade instruída será provavelmente mais severa do que a opinião atual em relação aos pastorais.

Quer gostem ou não, a comunhão do clero, desejada na Missa da Quinta-Feira Santa, estará sempre em conflito com a permissão dada de celebrar a Missa privada.

Os pastorais apelam a Cristo Rei para dar reforço a sua solene Procissão dos Ramos, como se esperassem que aperfeiçoassem uma situação para a qual o autor de Gloria laus et honor proveu o suficiente, mas não conforme à maneira pastoral. Certas alterações à tradição, que, por outro lado, são tão mesquinhas quanto ousadas.

A aspersão da água benta é um rito pascal que se tornou dominical. O Domingo de Ramos não é menos dominical que os outros. Quando a Candelária (Festa da Purificação da Santíssima Virgem Maria) cai em um Domingo, não se impede o Asperges me. Esse nunca consistiu em atirar água para uma mesa colocada em algum lugar com ramos e outros objetos sobre ela. Consiste em aspergir o altar, o Celebrante, o clero, a igreja e os fiéis. Salvo para o Bispo, e salvo impossibilidade, o lugar próprio das bênçãos, como para a consagração, é o Altar, ou ainda a sua vizinhança, como, por exemplo, a credência.

Durante séculos, a consagração dos Óleos fazia-se no altar, antes de se fazer sobre uma mesa como hoje, e não in conspectu populi. O que é que os pastorais têm aqui para mostrar ao povo, que, de abundante que ela era, tornou esquelética a bênção dos ramos? Uma coleta, um sinal da cruz, um jorro de água benta e um incenso, espetáculo pouco atrativo. Eis um verdadeiro erro litúrgico: eles, que suprimem o Asperges me dominical, admitem de bom grado que o Celebrante percorra a igreja para aspergir os ramos mantidos pelos fiéis, e depois refaça o mesmo caminho para incensá-los.

Um pastoral, professor de um seminário suíço, proclama um dia que o vermelho é a cor do triunfo. Tínhamos de lhe responder: estás muito enganado, enquanto o branco for a cor da Páscoa, da Ascensão, de Corpus Christi. Mas não, dito e feito, a cor para os ramos será o vermelho, o roxo restante para a Missa. Nem toda a gente pensa como o professor. O rito romano empregava o roxo desde que se serviu dele. O rito parisiense (ou rito galicano) e o de muitas dioceses utilizavam o preto até meados do século XIX. Alguns ritos usaram vermelho para os ramos e a Missa. Uns enfatizaram o luto, outros o sacrifício sangrento. Mas cada um tinha a mesma cor: nunca ninguém pensou em mudá-la. Pois todo a cerimônia do Domingo de Ramos é uma mistura de partes do triunfo e da paixão (de Nosso Senhor). Desde o Ofício de Matinas até o de Vésperas, incluindo a Missa, se descobre que o número de partes da Paixão supera por pouco o número de partes do triunfo. Quando duas coisas são assim misturadas, nenhuma separação se impõe. O professor suíço pensou em imitar a razoável mudança de cor que se fez para a Candelária, mas seu pastiche é uma mera imitação da festa moderna de Cristo Rei.

A distribuição dos ramos, como lemos, é feita de acordo com o costume. Desagrada aos pastorais: antes do costume, há regras a observar. Como o Celebrante, se não é o único sacerdote, recebe as cinzas e o sua círio das mãos do mais digno do clero, assim deve receber o seu ramo. Se ele não o receber, não haverá nenhum ramo na procissão. Sobre isso rubricistas sérios perguntaram-se se os pastorais queriam que o Celebrante não trouxesse os ramos à Procissão, pois ele teria representado Cristo que não os carregava. A hipótese, logicamente, teria levado que o Celebrante montasse em um burro. Felizmente, os pastorais pararam ali, permitindo que ele carregasse a palma esquecida.

A pastoral, que reduziu a bênção dos ramos para sua mais simples expressão, não hesitou em prolongar a sua distribuição, devido a superabundância dos cânticos destinados a esta ação. Enquanto a duração da bênção parecia enorme, este excesso acrescentado é considerado insuficiente para atender à necessidade.

O portador normal da Cruz processional é o Subdiácono, sempre que o Celebrante não tem necessidade dele, seja para carregar o Santíssimo Sacramento, seja para a pia batismal. Um Subdiácono adicional como porta-cruz só tem razão de ser se o Subdiácono for impedido, conforme referido acima.

Durante duas semanas, a cruz do altar permanece coberta; embora coberta, é incensada e é reverenciada por genuflexão ou inclinação profunda. Não é permitido descobri-la sob nenhum pretexto. Ao contrário, a cruz de procissão, substituta da cruz de altar, descobre-se na procissão, na partida e na volta dela; vê-se duas cruzes, uma coberta, a outra descoberta. O que podemos aí compreender?

A desordem aumenta no retorno da procissão. Ir à frente de uma grande personalidade, acompanhá-la às portas da cidade que estão fechadas, parar lá para cumprimentá-la e aclamá-la, e, por fim, abrir pomposamente as portas em sua honra, eis o que sempre foi uma das maiores honras possíveis, mas não convém ao gênio criativo dos pastorais.

Só pode ser considerado vandalismo o fato de tirar o Gloria Laus et honor de seu lugar na porta da igreja, misturando-o com toda a bagagem musical processional quase triplicado de duração, pois a mesquinhez e o desperdício de tempo andam de mãos dadas. Portanto, nenhuma parada na frente da porta, fechada e depois aberta; a cruz processional desvelada para ampliá-la, é rebaixada por negar-lhe a virtude de abrir a porta. Tudo isso apesar do cerimonial antigo e moderno, e então com que proveito? As rubricas pastorais afeiçoam-se à expressão: nada impede que, nihil impedit quominus. Aqui elas usam-na para dar liberdade aos fiéis que poderão cantar o hino Christus vincit, ou outro canto em honra de Cristo Rei. Tolerância que naturalmente terá suas sequências; os fiéis suplantam o clero, eles têm a escolha dos cantos e da língua; se cantarem a Cristo Rei, eles gostarão de cantar a sua mãe que é rainha. Tão cheios de desejos, de desejos eminentemente pastorais.

A rubrica romana dizia: quando a procissão entra na igreja, canta-se Ingrediente Domino. A rubrica pastoral diz: quando a procissão entra na igreja, no momento em que o Celebrante entra pela porta, canta-se Ingrediente Domino. Não se faz nenhum caso da porta no retorno da procissão; agora estamos à espera da passagem da porta pelo Celebrante que parece identificado com Cristo entrando em Jerusalém.

Entre a procissão e a Missa enriquecem-nos com uma oração final e recapitulativa, com modalidades defeituosas; o Celebrante não tem necessidade de subir ao altar, sobretudo virando-lhe as costas, expressamente para cantar uma oração e descer imediatamente. Alguém já viu isso depois das procissões de rogação? Finalmente, no caso presente, manter o livro diante do Celebrante pertence ao Diácono e ao Subdiácono, não a um clérigo.

Antigamente, chamava-se Paixão o canto evangélico da Paixão, e Evangelho o fim da Paixão cantada à maneira de Evangelho. Hoje, as duas partes reunidas chamam-se história da Paixão, ou ainda Evangelho da Paixão e da Morte. Um tal progresso pastoral vale o esforço! As casulas plicadas (ou “casulas dobradas”, que no tempo de penitência substituem a dalmática do Diácono e a tunicela do Subdiácono) são uma das características mais antigas do rito romano; remontam ao tempo em que todo o clero usava tal casula, e foram conservadas [...] a mais austera penitência. O seu abandono faz mentir as pinturas das catacumbas: trata-se de uma perda imensa, de uma afronta à história e aos [...] erros, diz-se, ter-se-ia dado esta explicação proporcional ao mal feito: não se encontram facilmente casulas plicadas. Ora, é justamente o contrário: encontram-se em toda a parte casulas roxas, que podem ser dobradas, enquanto que as dálmatas são muito menos difundidas. Além disso, há sempre o recurso de servir de alva.

Os pastorais gostam de cortar algo do início ou do fim da Missa. Os seus cortes, para além do pouco tempo que fazem ganhar, são bastante insignificantes, mas sobretudo servem-lhes de trampolim para novos saltos na sua via reformadora. Portanto, nem o Salmo Judica me e nem o Confiteor são ditos antes das Missas do Domingo Ramos e do Sábado Santo, porque são precedidas de uma outra cerimônia. Mas o são também as Missas da Candelária, das Cinzas, de Matrimônio, de funeral e as precedidas de comunhão. Cortes do início ao fim. No Domingo de Ramos, nas Quinta-Feira Santa e no Sábado Santo, o indesejado último Evangelho é omitido; perfeito, mas em virtude de que princípio? Na Quinta-Feira Santa a bênção é omitida, porque a cerimônia não está terminada; assim como em Corpus Christi e em cada Missa seguida de uma procissão do Santíssimo Sacramento.

Quando se introduz o costume de fazer cantar a Paixão dialogada por três Diáconos adicionais, mais em forma de leitura do que em forma de Evangelho, reservar-se-á o fim da Paixão para ser cantada, em forma de Evangelho, pelo Diácono do Celebrante, para não cair no absurdo do Diácono que não canta o Evangelho. Os três Diáconos começavam e terminavam a Paixão sem cerimônias, como nas leituras; ao contrário, um único Diácono fazia as cerimônias habituais do Evangelho. Estava de pé, vindo da capela papal. Assim esse Diácono é afastado pelos três da Paixão, que já não é um só com o Evangelho; o Munda cor meum e a bênção anterior ao Evangelho se passam antes da Paixão; o incenso do livro, o beijo do livro, o incenso do Celebrante desaparecem. Estes três gestos sucumbem à mentalidade pastoral; porque para ela não há Evangelho, há apenas uma história, história da Paixão; ora, na falta de Evangelho, não há Evangeliário; por conseguinte, não se incensa o livro de história, não se beija, nem se incensa quem não o beijou.

Continuemos a respigar. Os livros da “paixão-evangelho” da Paixão mal aparecem; eles são mencionados apenas na Sexta-Feira Santa. Os pastorais ignoram como se deve portar o Evangeliário; pois deve haver três acólitos que o acompanham, ao invés de dois, ignoram que o Diácono ajoelhado para dizer o Munda cor meum não tem que se inclinar; eles repetem-nos à exaustação que ou se canta ou se lê a “paixão-evangelho”. De resto, todas as suas rubricas estão redigidas de forma a fazer crer que, à vontade, se pode ler num ofício de canto ou cantar num ofício lido (ou rezado em reto tom), se pode escolher o que se quer cantar e deixar o que não se quer, se podem fazer ofícios de igreja parcialmente cantados, metade lido (ou rezado), podemos combinar o canto com a leitura (ou a reza). Tal é um dos terríveis males neste momento, como o é a língua vernácula. Não é muito novo e até mesmo recebido apoio pelas decisões tomadas nos últimos anos, que nas ordenações cantadas, o bispo ordenante interrompe o canto dos prefácios para dizer sem cantar as palavras essenciais; pois, ao que parece, o canto prejudica a atenção requerida.

A Paixão segundo os quatro Evangelistas incluía a Instituição da Eucaristia, tanto porque serve de introdução a ela, tanto porque só encontra o seu melhor lugar na Missa. Os pastorais, apressados quando querem, pensam diferente, expulsam a Instituição da Eucaristia. Por consequência, ela está excluída da liturgia na Igreja Romana durante todo o ano, sem dúvida para melhor instrução dos fiéis.

A omissão do Salmo Miserere no fim das horas alivia o pobre clero e os pobres fiéis. Esse Salmo poderia permanecer após o Ofício de Laudes ou de Vésperas ou somente em coro, ou mesmo como opcional. Os pastorais teriam lido com proveito o que o Cardeal Wisemann, primeiro Arcebispo de Westminster, escreveu sobre o canto desse Salmo no Ofício das Trevas na Capela Papal.

A Missa Chrismatis, Missa Pontifical celebrada com 26 sacerdotes em casula, nos lembra a concelebração, celebrada sem qualquer relação com o jejum, na qual não é permitido dar a comunhão, forma um curioso problema difícil de resolver. Seu próprio prefácio em tom ferial, figura entre outras curiosidades.

No rito romano o uso da estola é limitado por regras; ninguém a pode usar sem motivo; coloca-se no momento próprio, nem antes nem depois; é uma veste sacra, não tem nenhuma relação com o vestuário coral, seja para os indivíduos, seja para um corpo do clero. Os sacerdotes não têm o direito de levar a estola durante uma Missa, onde comungarão, ou durante uma Missa de ordenação, onde imporão as mãos. Ao dizerem o contrário, os pastorais abusam da sua liberdade imerecida.

Na Missa da Quinta-Feira Santa o Celebrante começa solenemente o Gloria in excelsis; como faria para começar de outra maneira? Aqui encontramos uma transposição, se não de grande importância, pelo menos de alto significação pastoral. Até agora, depois do canto da Paixão da Sexta-Feira Santa, a liturgia dava lugar a um Sermão sobre a Paixão; sentia-se pena de Cristo morto na cruz, antes de adorar ambos. Agora já não se trata disso, não se fala mais nisso. Ao contrário, depois do Evangelho de Quinta-Feira Santa, uma homilia é fortemente aconselhada para que se maravilha com Cristo lavando os pés.

Dos documentos antigos ressalta que a Missa nunca foi o lugar nem o tempo do Mandatum. Este estava separado dele, era geralmente seguido por uma reunião do clero. O rei ou imperador participava do Mandatum, não na Missa. O Ceremoniale Episcoporum situa o Mandatum num local conveniente, ou na sala capitular, ou na igreja, mas não no coro. O Missal não especifica nenhum lugar, não supõe o coro nem o altar. A partir do momento que a reconciliação dos penitentes se faz na nave, o bom senso não podia admitir leigos no coro. Os pastorais querem o Mandatum na Missa, não o toleram fora dela; eles mal percebem que se pode lavar os pés dos clérigos, verdadeiros ou considerados para tais.

Uma observação se impõe sobre a distribuição dos papéis. O Diácono e o Subdiácono estão encarregados de introduzir os doze homens escolhidos (não mais treze) no coro, e depois de os reconduzir ao seu lugar anterior. Este serviço é o de um auxiliar do clero ou de um sacristão; mas exprime bem a mentalidade pastoral impregnada de demagogia pouco vantajosa para o clero. Houve um tempo em que cada candidato a ter seus pés lavados era levado, com força de braços, por homens idôneos, diante do Papa sentado para lhes lavar os pés. Os pastorais, não ousando impelir a este ponto a “caridade fraterna”, contentam-se em empregar o Diácono e o Subdiácono a introduzir os candidatos e depois a reconduzi-los para fora. Alguns sentem falta do antigo uso mencionado, não só pelo esporte, mas também pela atividade social e pastoral do clero, que teria se beneficiado.

Encontramos um grande obstáculo sem dissimulação possível. Por decreto de 4 de dezembro de 1952, a Sagrada Congregação dos Ritos censurava a incongruência do fato de que o bispo calça e descalça, pega e deixa sapatos e sandálias na igreja; consequentemente, proibia tal uso dos sapatos litúrgicos, o qual sempre teve que ser feito fora da igreja, apesar das regras até agora em vigor. Esse decreto é excessivamente discutível, pois se baseia na inexatidão, em atribuir ao Ceremoniale Episcoparum coisas que nunca disse. Não o discutamos e limitemo-nos à sua proibição. O bispo, fora da missa, recebe chinelos e sandálias sobre pernas e pés não despidos, desde que cobertos com meias. Estes sapatos são vestes sagradas, tanto quanto uma mitra e um par de luvas, abençoados, recebidos simultaneamente com o episcopado, acompanhados de uma oração, posta em prática com toda a decência possível; a prática existe há séculos. Ao contrário, 12 homens no coro, durante a missa, tiram os sapatos, descalçam os pés direitos à mostra e os calçam de novo antes de voltarem aos seus lugares; a prática é de invenção moderna. Em resumo, doze pés descalços são menos incongruentes do que os dois do bispo calçados, sem contar as outras diferenças.

A preocupação de eliminar a palavra Pax da Missa de Quinta-Feira Santa, pois o beijo da paz não se dá, estende-se a uma Coleta, ao Confiteor, etc... ao beijo da mão do Bispo, ao Ite missa est, à Bênção final e ao Último Evangelho. Mas não se sabe se toleram os outros beijos, de mão e de objeto; pois poderiam também proscrevê-los mecanicamente. O conhecimento dos pastorais ainda está a ponto de confundir o beijo da mão e o beijo do anel.

A poupança de um Confiteor da Comunhão da Quinta-Feira Santa, ou seja, a troca que toma o despercebido Confiteor dito em particular pelo Celebrante no início da Missa, de modo que toma o lugar o Confiteor coletivo, cantado pelo Diácono antes da Comunhão, pode-se dizer que é muito rebuscada. A sutileza da troca não é suficiente para esconder a enorme divergência de dois empregos do Confiteor. Demasiada sutileza pode prejudicar.

A partida e a chegada da procissão até o Altar do descanso dão uma prova evidente da destreza cerimonial dos pastorais. À partida, o Celebrante pega o Cibório com a ajuda do Diácono, e desastradamente; na chegada entrega-o com ou sem a ajuda do Diácono, e igualmente desastroso. As reformas exigem daqueles que as fazem uma formação que muitos não têm. Desde o Domingo de Ramos, não temos notícias tanto da cruz de procissão como da do altar. Foram descobertas ou cobertas, e de que cor? Ninguém sabe.

O culto de Sexta-Feira Santa inclui a comunhão [...] enquanto mantém a forma de Missa em suas linhas principais. Este culto aprendido [...] foi bem cedo emprestado pelo rito romano aos ritos orientais, que dele fazem grande uso ainda em vigor. A Missa dos pré-santificados tinha, assim, de quem e de que se apoiar-se, sobretudo se observarmos que o rito romano teve durante séculos a missa seca; uma verdadeira caricatura. Apesar de tudo, um grito de alarme irrompeu entre os pastorais, foi a sentença de morte. O alarme foi dado por um abade beneditino belga que exclamou: “a cerimônia da Sexta-Feira Santa assumiu um aspecto de Missa insuportável”. Os pastorais não precisavam de mais. Com uma perseverança digna de uma finalidade melhor, cumpriram este programa: subtrair elementos essencialmente romanos; adoptar elementos estranhos; retomar elementos romanos inferiores e antiquados; excluir tudo o que possa, de perto ou de longe, fazer pensar numa Missa. Sobre este ponto, sua idéia fixa era cantar o refrão Delenda est Carthago. A missa dos pré-santificados sucumbiu à incompreensão, foi vítima de uma cabala. O dicionário de liturgia, edição Migne, dizia em 1844: “O rito romano parece-nos, quanto à adoração da cruz, muito mais rígido e edificante do que o rito de diversas dioceses da França”. Aviso aos pastorais pela sua construção inteira, que se tornou um exercício de piedade, com o nome de “Singular e solene ação litúrgica pela paixão e morte do Senhor”; ação que, apesar do seu qualificativo, não enobrece o seu objeto.

O Pontifical romano ensina-nos que não se saúda um novo altar antes de nele ter colocado a sua cruz. Pois não se saúda o próprio altar, mas a cruz que o domina, e à qual se dirigem todas as orações. Antigamente, quando se chegava ao altar, traziam-se a cruz e os castiçais, e os tornavam a levar ao partirem. Isso de deixar o altar sempre a descoberto não é permitido hoje. Por isso, eu dirijo-me aos pastorais: “No Domingo de Ramos, sob o pretexto de a engrandecer, descobristes a cruz de procissão; na Sexta-Feira Santa, onde ela está coberta, retirais a cruz do altar, a enviais à sacristia, para onde a mandareis depois buscar. Como explica tal contradição?”. Renunciemos a todo o gênio criativo ou organizador. Por fim, note-se que a cruz sobre o altar evoca uma missa.

Os pastorais dividem a solene ação em quatro partes legendadas, das quais a segunda e a terceira são solenes, mas a primeira e a quarta não. Estas dosagens são tão inteligentes e admiráveis como os seus autores.

De casula, nem pensar, elas cheirariam como Missa. Então o pobre Celebrante deve contentar-se em estar com alma, como numa igreja de campo, apesar da solenidade ultra proclamada, é uma afronta que o rito romano o poupe.

O altar sem cruz, se merece ser sempre beijado, por si mesmo, não tem o direito de ser saudado, e muito menos de ser rezado; pois não se invoca o altar. No rito romano, quando se está de joelhos, ou quando se faz a genuflexão de dois joelhos, e se inclina, a inclinação deve ser mediana, não profunda. Esta regra antiga foi confirmada cerca de meio século atrás. É assustador ver a liturgia presa entre duas potências se ignorando mutuamente.

Os pastorais enriquecem a Sexta-Feira Santa com uma oração introdutória e três orações conclusivas; abrem com uma mão e alongam com a outra, tendo o monopólio do justo meio; ver-se-á que estão presos no fogo cruzado, [...] em sua própria rede. O Celebrante canta a coleta introdutória ao Pé do Altar, pois só subirá para as grandes orações. Uma vez que, no altar, o Celebrante não estende suas mãos a menos que esteja em uma casula na Missa e que Delenda est Carthago, as mãos afastadas deveriam dar lugar às mãos juntas; mas a pastoral abdica. Perguntamo-nos por que é que a segunda leitura, em vez de epístola, é cantada pelo Subdiácono, visto que o nome da missa é rejeitado, e o Diácono não canta o evangelho.

Com os pastorais, os três Diáconos dizem o Munda cor meum e pedem a bênção, isso no Domingo de Ramos; na Sexta-Feira Santa os três Diáconos não dizem o Munda cor meum, nem pedem a bênção, mas vão diante do Celebrante, que lhes dirige em voz alta um desejo. Até agora, o Munda cor meum sempre precedeu o Evangelho, às quatro paixões. Mesmo os pastorais conservaram-no antes do seu evangelho-história da Paixão, mas excluíram-no na Sexta-Feira Santa, por quê? Talvez nesse dia e para eles, a Paixão não seja tanto um evangelho como uma história. Para a perda do Munda cor meum suplanta uma aquisição: uma fórmula de bom augúrio ou o evangelho não é nomeado. Além disso, ao dar a bênção ao Celebrante fala media voce (em voz mediana); mas dizendo a fórmula fala clara voce (em voz clara); a nova fórmula é sem dúvida melhor do que a antiga. Por fim, os três Diáconos da Paixão que se ajoelham para pedir e receber a bênção, não têm motivo para se inclinar para ouvir o desejo do Celebrante; não se inclina para responder ao Dominus vobiscum.

Aqui começa o segundo período relativo ao vestuário, seguido de outros dois, quatro no total. É a punição dos puritanos que censuravam o rito romano por fazer muitas vezes mudar de vestimentas. Os pastorais mitigam os seus preconceitos contra a Missa, obrigam o Celebrante a vestir-se e fazem-no subir ao altar, contudo sem capitular, põem-lhe um pluvial; coloca-o no meio do altar, não no canto da epístola; com os ministros ao seu lado, não atrás dele; fazem-lhe segurar as mãos espalhadas apesar do pluvial.

Já não se ocupa das dimensões da cruz senão da sua complexidade; uma cruz relicária, a madeira da cruz não tem interesse para eles, apesar da origem do rito. Há pouco conhecimento ou compreensão do rito romano. Copiou-se noutro lugar o transporte da cruz desde a sacristia até ao altar, onde falta, onde tem o seu lugar fixo, tanto sem Missa como com Missa. Manter a cruz coberta não significa escondê-la, nem a relegar à Sacristia, privar o altar dela, onde ela deveria mais do que nunca estar em um lugar de honra nesta Sexta-Feira. Os pastorais devem saber que o véu deve cobrir toda a cruz, não apenas o crucifixo, pois é principalmente a cruz que é mostrada.

Outras novidades nos esperam. Noções dos pastorais sobre as procissões: o Diácono entre dois castiçais reconduz a cruz exilada à sacristia, é uma procissão; os fiéis desfilam para adorar a cruz, é uma procissão; o Diácono entre dois castiçais traz do descanso o Santíssimo Sacramento, já não é mais uma procissão. Compreenda quem puder. Não se usa velas antes do transporte do Santíssimo Sacramento, de quem a cruz não tem inveja; agora os pastorais usam velas para a cruz. Daqui resulta, entre outras coisas, que o Celebrante, ao descobrir a cruz, se encontra no meio de quatro pessoas, muitos para pouco espaço! A cruz, trazida pelo Diácono e depois descoberta pelo Celebrante, permanece agora entregue nas mãos dos acólitos cujo papel não é esse, sobretudo no altar, onde nunca há lugar.

Durante séculos, de maneira justa, quis-se, além da cruz, adorar o corpo de Cristo morto, estendido em sua cruz. É por isso que se estende sobre um tapete, uma almofada, um véu branco e roxo para servir como um sudário. Isto ultrapassava a concepção dos pastorais, que fazem manter em pé um morto suspenso pelos braços. Eles também afastaram a ostensão-adoração da cruz, que é apenas uma exaltação, é a sua colocação ao alcance de adoradores que se prostram. Não menos incompreendida é a adoração da cruz; fazia-se como a devida ao Papa, por três genuflexões espaçadas, antes do beijo da cruz ou do pé do Papa; exceto que, nesta Sexta-Feira, as três genuflexões eram transformadas em três de genuflexões com os dois joelhos para a adoração. Foi passando pelo Papa que a genuflexões entrou no rito romano.

Ao descobrir a cruz, após cada um dos três Ecce lignum crucis, juntava-se a ação ao convite, ajoelhava-se e adorava-se respondendo Venite adoremus. A adoração em silencio acontecia durante as três genuflexões com os dois joelhos prévios ao beijo. O gênio pastoral desloca a adoração em silencio das três genuflexões com os dois joelhos, transportando-a depois de cada Venite adoremus. Desta forma ele faz mais perder do que ganhar tempo; o que ele repete enviando os adoradores um a um em vez de dois a dois. Eles provavelmente acreditam que cantar não é bom para adoração, atenção e recolhimento.

O problema da adoração coletiva da cruz há muito era resolvido pelo emprego de várias cruzes, quer apresentadas ao abraço dos fiéis, quer expostas à sua adoração em muitos lugares. Após a sua adoração, a cruz do altar recupera seu lugar normal, donde ela regressou à Sacristia. O seu regresso deu origem a uma rubrica estranha.

Então, mudaram de cor. Branco e preto são as duas cores originárias do rito romano, mas os pastorais preferem o roxo, a cor mais recente, ao invés do preto. Aqueles que fortalecem o luto da Sexta-Feira Santa chamando-o de dia da morte do Senhor, rejeitam a cor negra da morte. Os que exterminam a Missa dos pré-santificados, que até então punha a capa pluvial negra no Celebrante, puseram nele uma casula roxa, não puseram nos seus ministros, e os disfarçaram com dalmáticas. Podemos nos contradizer de forma mais grosseira? Se os pastorais viram desacordo entre a comunhão e a cor negra, deveriam ter considerado que a Missa de Réquiem é rezada em preto, que ali se dá a comunhão, mesmo com hóstias consagradas anteriormente, que se dá a comunhão em preto logo depois ou antes da Missa em preto.

Pergunto aos pastorais: que necessidade, que oportunidade sentis de pôr uma casula ao Celebrante apenas para dar a comunhão? A distribuição da comunhão fora da Missa nunca incluiu a casula. Vós exterminais a Missa dos pré-santificados, eliminais obstinadamente todos os pormenores que a possam recordar, e ousais colocar uma casula ao Celebrante quando a recusais aos seus ministros. Nada autoriza o Celebrante a ser vestido para o ato número 4 da vossa representação, uma vez que o deixais despido, de alva, para o vosso ato número 1. Os vossos poderes discricionários são vastos, e o abuso não o é menos.

A procissão da Quinta-Feira Santa, instituída definitivamente por Sisto IV (†1484), e a da Sexta-Feira Santa, instituída por João XXII (†1334), portanto pela mesma autoridade, têm o mesmo objeto, a mesma finalidade, a mesmo solenidade, exceto que a primeira tem carácter festivo, o segundo carácter de luto. Por que havemos de abolir uma, mantendo a outra? A chegada do Santíssimo Sacramento é acompanhada pelo canto das três antífonas em honra da cruz, no lugar do hino Vexilla regis tendo mesmo objeto, mas sem dúvida não pastoral.

No rito romano, o Celebrante canta sozinho em toda a parte o Pater noster, quer por inteiro, quer no início e no fim, com o meio em voz baixa. A melhor prova disso é que o assistente, que não disse, responde sed libera nos a malo. No entanto, a pastoral deve reformar, e aqui está o balanço das suas proezas: o Pater noster recitado em vez de cantado, recitado por todos, recitado num ofício cantado; funesta mistura de rito latino e oriental; recitado solenemente (SIC), mas despojado da solenidade do canto; recitado com as mãos juntas, enquanto a oração seguinte, libera nos, é recitada com as mãos afastadas. Lamentável explicação segundo a qual o Pater, por ser uma oração pela comunhão, tem que ser recitado por todos. Duas questões surgem: nesta sexta-Feira, o Pater é mais para a comunhão do que nos outros dias do ano? O Pater é mais a favor da comunhão do que as outras orações antes da comunhão?

A redação das rubricas encontra-se naturalmente ao mesmo nível. Assim nós lemos que o Celebrante pega uma hóstia com mão direita, então golpeará seu peito com a mão esquerda? Não sabemos se a mão esquerda se apoia sobre o corporal ou o cibório. Lemos que batendo no peito, em vez de uma inclinação mediana, parum inclinatus, o Celebrante inclina-se profundamente, postura impedida pela altura do altar.

É faltar ao respeito à liturgia e ao Celebrante suprimir o cálice e a grande hóstia; um pequeno rebaixamento. O cálice já foi usado como cibório, e ainda pode continuar. Houve tempos e lugares em que a comunhão de sexta-Feira se fazia sob as duas espécies reservadas, portanto com o cálice; preciosa recordação a conservar. O cálice servia para a purificação do Celebrante, e abriu o caminho para o clero; rito venerável não abolido; não se comia sem beber. Tudo isso convenientemente imitava uma missa, não enganava ninguém, não se opunha à comunhão geral; pouco importa.

A pastoral introduz três orações pós-comunhão, cantadas pelo Celebrante com as mãos juntas, no meio do altar, entre os seus ministros, e durante as quais se está de pé. Outra curiosidade: durante as Completas, as velas estão apagadas; portanto, a cruz, após a descobrirem, pode privar-se de luz; então por que dar-lhe alguma luz antes de descobri-la e durante sua adoração? Jogo de compensação: dão-se luzes que não haviam à cruz; retira-se a incensação que havia ao Santíssimo Sacramento, à Cruz e ao Altar.

A Igreja chora e geme durante os três dias que o Senhor permaneceu no túmulo; durante esses três dias de funeral de Cristo morto, todas as horas do ofício terminam com a oração Respice quaesumus, que é precisamente a oração super populum na Missa da Quarta-Feira Santa. Os pastorais rompem esta continuidade e unidade com uma substituição; ao fim das horas do Sábado põem uma oração que lhes dá o aspecto de uma Vigília banal, que não condiz com o resto, sobretudo com a antífona Christus factus est. Se a pastoral fosse lógica, veria que a sua oração, já não no tom dos três dias, já não tem motivos para ser dita de joelhos e com conclusão silenciosa. A forma como termina as Vésperas não é menos estranha.

Como a Missa, que terminou tarde da noite, foi causa para que se abreviassem as Vésperas, assim, noutra época, a Missa, terminando tarde da noite, fez abreviar as Matinas da Páscoa, reduzir os três Noturno a um único Noturno, e isto durante toda a Oitava. Com muito menos razão os pastorais foram muito mais longe, suprimindo as Matinas da Páscoa; mas não ousam estendê-la aos dias durante a Oitava. Quando no Sábado de Pentecostes, massacrado sob a relação batismal, a sua Oitava continua a gozar de um único Noturno.

Como já se viu, os pastorais continuam o sepultamento das casulas plicadas com o sepultamento do Cristo; pelo contrário, com a mesma facilidade, ressuscitam algumas cerimônias muito menos antigas e abandonadas. Além disso, decidem categoricamente uma questão que nunca foi resolvida. Pois o Celebrante abençoava o fogo novo para ter uma luz abençoada, com a qual o Diácono acendia o Círio Pascal, donde cantava o Exsultet; este acender e o cantar passava a ser a bênção do Círio Pascal, sem grande mal nisso. Agora, mais uma dúvida de tudo isso, tudo é claro como fogo; o Celebrante abençoa círio e fogo; o Diácono só tem que usá-lo e cantar. A vela trazida não se sabe de onde, diante dos olhos escrutinadores do público, é submetida a incisões e inscrições, com fórmulas explicativas, além da inserção dos cinco pregos de incenso em cinco orifícios da vela, que seriam as cinco chagas de Cristo. Isto remete-nos para o simbolismo de Guillaume Durand, que teve o seu tempo de moda e depois de obsolescência. Os grãos de incenso tiveram mais sorte por causa do equívoco entre as coisas acesas e as resinas de incenso. De resto, as inscrições tinham degenerado numa volumosa tábua, que se pendurava na vela ou no candelabro, talvez à imitação da tábua INRI da cruz, já que a vela devia simbolizar Cristo.

Aqui, estando o Círio Pascal aceso e abençoado, os pastorais fazem apagar as luminárias da igreja. O Breviário já o tinha feito ao fim das Laudes da Quinta-Feira Santa; mas tratava-se das lâmpadas, do luminário litúrgico, apagada até o Sábado. Provavelmente quer-se, mas sem o dizer claramente, apagar todas as luzes, colocar a igreja na escuridão, que será expulsa pelas velas do clero e do povo, que de alguma forma vieram; faz sobressair a vela pascal; tem um ar oriental, parece uma Candelária à volta da vela principal.

Enquanto que se transportava a luz para acender a vela já acesa, agora se transporta a vela acesa para colocá-la no lugar. Um dos promotores da vigília pascal (“reformada”) entusiasmava-se com as proporções imponentes do círio maciço e com a majestade dos candelabros pascais, sustentáculo do círio; ele não suspeitava que seus sectários tivessem reduzido tudo à proporção de uma igreja de aldeia. Quando a vela e o candelabro tomaram um desenvolvimento monumental, e a vela já não era transportável, a vela desapareceu da procissão; foi-lhe dada luz por meio de um candelabro de três velas. Assim aconteceu que o herói da procissão triunfal não foi levado para lá. Notem eles que, mesmo assim, com o candelabro de três velas, a luz de Cristo não é propriamente aclamada, o Cristo Luz não é propriamente adorado.

Ao passar pelas mãos dos pastorais, sua solene procissão para o transporte do círio tornou-se a negação de princípios racionais, um monstro litúrgico. Seu capricho de fazer andar, numa pretensa procissão, o Diácono e o Celebrante diretamente atrás do Subdiácono e da cruz, ou seja, na frente do clero, equivale a colocar a carroça na frente dos bois. Um dos seus porta-vozes tentou desculpar o péssimo acabamento com duas estupidezes. A primeira, de modo que, ao andar como se deve, o clero tornaria a virar as costas à vela levada de costas. Resposta: em todas as procissões em que se carrega uma relíquia ou o Santíssimo Sacramento, vira-se-lhe as costas, embora cantando os seus louvores; nunca se fez o contrário. A segunda: se você andasse como deve o clero cantaria Lumen christi, virando as costas para a vela. Resposta: nenhum mal para isso; pois a genuflexão não se faz ao Círio, que está atrás, mas ao Cristo, que está em toda parte. É preciso distinguir Cristo Luz e a Luz de Cristo. Lumen Christi significa que a Luz de Cristo está na vela acesa, não que a vela acesa seja o Cristo Luz.

Ao ler as rubricas pastorais, há motivos para crer que todos, o clero e o povo, se precipitam para o Círio Pascal para acender nele a sua própria vela; também que cada um segura a sua vela acesa durante o canto do Exsultet. Recordaremos com espanto a proibição de segurar o seu ramo durante o canto da Paixão.

O lugar devido para cantar o Exsultet e situar o Círio Pascal foi sempre aquele onde se canta o Evangelho, ou seja, no lugar acostumado no coro, ou então no ambão ou no púlpito, onde habitualmente se encontrava o Candelabro Pascal. A posição desse no meio do coro, num pequeno suporte, é puramente arbitrária; tem a ver com falsas interpretações passageiras; dá licença aos majestosos candelabros pascais.

O Diácono, segurando o livro, pede a bênção, e depois incensa o livro, como para o Evangelho. Por que isso? Uma razão é que o Exsultet sempre esteve no Evangeliário; a outra, é que o Diácono incensa o livro que contém a exaltação do Círio que cantará. O objetivo direto não é exaltar o Círio, que vale menos do que o Evangeliário. Pelo incensamento do livro, o Diácono incensa, per modum unius, o Círio colocado contra o púlpito. A pastoral podia dispensar-se de uma nova incensação, sobretudo uma praticada virando as costas para o Círio.

Os pastorais colocaram o Ofício diante de um altar sem cruz na Sexta-Feira Santa; mas, no Sábado Santo, o altar e a sua cruz já não são suficientes; eles querem um centro para o qual se volte, que será o Círio Pascal em rivalidade com o altar. O lugar para o canto do Evangelho tem o seu simbolismo, outrora muito discutido; o lugar do Círio Pascal, no centro do coro, está absolutamente deficiente. A maneira como o púlpito é virado, e por sua vez o Diácono cantando o Exsultet, o leitor cantando as leituras, com o altar à sua direita e a nave à sua esquerda, mostra a sedução que a posição de perfil exerce sobre os pastorais.

Segundo os pastorais, o celebram veste-se de quatro maneiras na Sexta-Feira Santa, mas no sábado é-lhe poupada uma veste, deixam-no o pluvial em vez de lhe pôr a casula. Escapa-lhes que as profecias, os tratos (que substituem o Aleluia) e as orações (coletas) fazem parte da Missa, e que o Papa, antigamente, batizava de casula.

O Batistério era um edifício anexo da igreja, uma espécie de vestíbulo, de terreno neutro, onde se entrava pagão e se saía cristão. De um trabalho particular, não era feito para conter toda a congregação dos fiéis. Ao Batistério sucederam as fontes batismais, muitas vezes mal localizadas e mal construídas, mas quem é o culpado? Que a autoridade o prove! Seus defeitos nunca serão motivo para abandoná-las. Fontes batismais, água batismal e batismo formam um todo; uma inovação espetacular que os separa deliberadamente, que instala, no coro, as fontes postiças e nelas se batiza, que transporta água batismal feita em outro lugar, tendo já sido usada em outro lugar, para as fontes batismais, é um insulto à história, à disciplina, à liturgia e ao bom senso. Assim se batizará no coro, recinto do clero, um pagão que vem com seus acompanhadores. Assim a água baptismal assemelha-se a uma pessoa trazida pomposamente para casa, de onde era expulsa. Em favor da água batismal, cuja quantidade deve durar todo o ano, foram erigidos sumptuosos batistérios, fontes batismais artísticas e majestosas. Hoje a pastoral faz a água batismal e batiza numa bacia, num balde, e depois, neste aparelho, leva a água à fonte, cantando o cântico de um veado sedento, que já bebeu e se dirige a uma fonte seca.

A ladainha, outrora repetida em abundância, é uma imploração para os catecúmenos, quer antes, quer depois do batismo; canta-se normalmente indo às fontes e voltando. Como a pastoral introduz no coro uma falsificação de fontes batismais, faz cantar nela a primeira metade da ladainha, depois a bênção da água, sempre sob a proteção do Círio Pascal, mas desta vez o Celebrante mostra o seu rosto ao povo, não mais de perfil. Que sutileza! Não o retorno, mas o transporte da água para sua casa levanta uma questão espinhosa: a quem cabe o papel de tanque ambulante, ao Diácono, ou aos acólitos, e quanto deles? Nobre tarefa que merece fazer ciúmes, especialmente durante o canto fora de prazo do Sicut cervus. Supondo que a igreja tenha o seu batistério, os pastorais ainda têm a audácia de dar a escolha entre o único método litúrgico e a sua triste invenção.

As renovações das promessas do Batismo, tiradas da primeira comunhão das crianças, é um ato que não pertence propriamente à liturgia mais grosseiro, criação tanto mais pastoral quanto menos litúrgica, excelente ocasião tão procurada, de inserir a língua vulgar na liturgia; é uma repetição monótona do que se acaba de fazer se se batizou; poderá levar à renovação das promessas conjugais entre as pessoas reunidas para um casamento. Por fim, causa um vazio entre o transporte da água e a segunda metade da litania; portanto, perda de tempo para um retorno em silêncio.

A Círio Pascal acaba por deixar o seu pequeno suporte provisório, e ganhar o seu candelabro do lado do Evangelho, ignorado até agora. As flores nunca foram prescritas no altar, agora a pastoral precisa delas para torná-lo mais agradável.