Carta do Padre Pierre Roy sobre sua sagração episcopal


Fonte: Lettre aux fidèles

“Non enim dedit nobis Deus spiritum timoris: sed virtutis, et dilectionis, et sobrietatis”
2 Tim. 1, 7
“Deus, com efeito, não nos deu um espírito de timidez, mas de fortaleza, de caridade e de temperança”
2 Tim. 1, 7

Caros fiéis,

Estamos muito sós diante de certas decisões que comprometem a nossa eternidade e a salvação de nossos irmãos... E, no entanto, às vezes essas decisões precisam ser tomadas e não podemos fazer nada para escapar delas, sendo forçados pelas circunstâncias em que o Senhor nos coloca.

Passaram-se mais de sete anos desde da minha saída da FSSPX e da minha carta explicando os porquês de ter saído. Como podem compreender, enfrentei então uma decisão muito difícil, um ponto de viragem sem precedentes na minha existência até então pacífica. Bentido seja Deus, estou feliz hoje por esta decisão então tomada e não tenho arrependimentos, a não ser por ter atravessado o Rubicão muito tarde diante dos compromissos doutrinais a que eu estava exposto.

Vejo-me agora diante de um momento de importância igualmente capital. Como vós soubestes, Dom Rodrigo tomou a decisão de elevar ao episcopado o Padre Fernando Altamira para a Colômbia e eu para o Canadá. Esta decisão foi evidentemente discutida durante um ano e meio, no difícil contexto global que era o nosso. Apesar dessas circunstâncias objetivas que nos colocaram em uma situação em que estávamos privados do auxílio de um Bispo por um longo período de tempo, e o risco real de que essa situação se repetisse por um tempo ainda maior, alguns poderão ser da opinião de que esta decisão de Dom Rodrigo é imprudente ou desnecessária. É para esclarecer as razões desta decisão que escrevo esta carta hoje.

Permitam-me que vos recorde que estamos em guerra com a falsa igreja do Vaticano II, que continua a devastar toda a terra. Como sabem, o meu ministério estende-se por um território enorme, mais de 1900km, e eu tenho de ocupar muitas almas em seis províncias do Canadá. Neste imenso território reinam os modernistas que não cessam de aplicar as diretivas da Roma apóstata. Não seria inútil e ilusório pretender lutar contra a sua influência nefasta, sem nos dotarmos dos meios para lhes fazer oposição? A presença de pelo menos um Bispo verdadeiramente católico parece necessária para esta batalha contra a falsa Igreja no nosso país para quem está consciente da gravidade da situação atual. “Meus filhinhos, não amemos (somente) de palavra e com a língua, mas por obra e em verdade” (1 Jo. 3, 18).

Dom Rodrigo da Silva recordou em sua carta as circunstâncias com que vivemos nos últimos anos. Não voltarei a isso. Estamos-lhe gratos por nos ter ajudado.

No entanto, quando Dom Rodrigo veio em nosso auxílio, sua presença entre nós não permitiu que ele alcançasse todos os fiéis que precisavam dos Sacramentos. Com efeito, como pedir-lhe que viaje no espaço de uma semana por todo o campo de apostolado que eu mesmo só posso percorrer a cada seis semanas e até menos frequentemente para alguns lugares? Apesar da generosidade que ele demonstrou vindo do Brasil até nós indo e voltando, só pudemos organizar a cerimônia de Confirmações em Moncton e Lévis. Mesmo assim, ele precisou de 14 horas de carro depois de uma viagem cansativa do Brasil até nós. Alguns fiéis, incapazes de viajar, não puderam receber os Sacramentos que desejavam de todo o coração. Além do fato de que é a cada mês que novos fiéis se juntam a nós e precisam do mesmo auxílio espiritual. Dom Rodrigo não quer correr o risco de nos deixar novamente sem os Sacramentos por tanto tempo. Foi nesse contexto que ele me pediu para aceitar assumir sobre mim uma parte do fardo, o qual aceitei não sem ter hesitado muito, sabendo perfeitamente que me expunha à fúria das ondas.

Não tenho dúvidas de que alguns serão abalados por esta decisão tomada por Dom Rodrigo e que aceitamos, mas não podemos ter em conta as suas reticências. O Céu cuidou de nós de uma maneira admirável até agora. No entanto, um pastor é alguém que vê os perigos e não foge. “O mercenário foge, porque é mercenário, e não se preocupa com as ovelhas” (cf. João 10, 12-13). O amor que levo ao meu rebanho me obriga, apesar de tudo, a pôr de lado os meus temores e a tomar sobre mim o jugo do Senhor.

Como sabeis, eu aceitei jovens para levar a vida religiosa conosco e até se preparar para a vida sacerdotal, se for da vontade de Deus. A vida desses jovens é preciosa, e não podemos aceitá-los conosco sem ter a certeza moral de que poderão percorrer as etapas da sua vocação. A presença de um Bispo é, portanto, necessária para ser justo com esses rapazes, a não ser que se resolva a não construir nada sério e resolva a esperar que o desaparecimento do único sacerdote presente venha a anular toda a obra realizada à custa de tantos sacrifícios da parte de cada um. Com efeito, encontro-me diante de um dilema: abandonar toda a vontade de formar sacerdotes para cuidar das vossas almas, ou aceitar o pedido de Dom Rodrigo.

Para concluir, queridos fiéis, permitam-me que vos faça notar que esta decisão se inscreve no seguimento lógico de tudo o que fizemos desde há mais de sete anos. Tendo visto os compromissos da FSSPX, que desde então só aumentaram, confiamos nossas almas a Deus e navegamos sozinhos em alto mar, confiando no auxílio do Senhor. “Adjutorium nostrum in nomine Domini. O nosso socorro está no nome do Senhor”. Trata-se agora de assegurar a perpetuidade da Missão de Nossa Senhora da Alegria (Mission Notre Dame-de-Joie) e não podemos recuar depois de o Senhor nos ter mostrado tantos sinais da sua bênção.

Se eu tivesse alguma dúvida de que a igreja do Vaticano II seria a Igreja estabelecida por Nosso Senhor Jesus Cristo, nunca teria a temeridade de receber a sagração episcopal contra a vontade desta Igreja. Tendo a evidência de que Roma incorreu em apostasia, não só temos o direito, mas também o dever de lutar contra essa apostasia com todos os meios que o Senhor coloca à nossa disposição. As circunstâncias são, evidentemente, excepcionais e estou perfeitamente consciente disso. O meu desejo mais profundo será poder entregar o meu episcopado nas mãos de um verdadeiro Sumo Pontífice o mais rapidamente possível e estou certo de que Dom Rodrigo goza desse mesmo desejo.

Vós recebestes com alegria a visita de Dom Rodrigo. Recebestes a sua autoridade espiritual recebendo das suas mãos o Sacramento da Confirmação. Confiastes a ele as vossas almas com felicidade. Dom Rodrigo, após cuidadosa reflexão, considerou necessário dar mais um passo para garantir os Sacramentos da Igreja, e nele vemos o amor que Ele tem por nossas almas. Tenham a bondade de receber sua decisão com a mesma Fé e prontidão que o receberam. Orem por mim. Serei julgado mais severamente pelo Senhor quanto maior elevado em dignidade na sua Igreja. Mas a Igreja de Cristo não pode sobreviver sem pastores, e não gostaria que, por timidez, por temor ou por medo dos ataques que sofreremos de todos os lados, Ela não seja deixada sem pastores e as ovelhas continuem a ser dispersadas pelos lobos sequestradores.

Deus abençoe a vós todos!

Padre Pierre Roy
Sirva o Senhor com alegria (Sl. 99)!