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A ABJURAÇÃO E SUA NATUREZA JURÍDICO-LEGAL

  • Foto do escritor: Seminarista Paulo Cavalcante
    Seminarista Paulo Cavalcante
  • 3 de abr.
  • 8 min de leitura

Atualizado: 4 de abr.

Por Seminarista Paulo Cavalcante


A Abjuração per se.


Na parte III do Código de Direito Canônico (1917), trata-se sobre as penas para cada um dos delitos. Iniciando-se no título XI, dos delitos contra a fé e a unidade da Igreja, o primeiro cânone diz:


"2314 §1. Todos os apóstatas da fé cristã e todo e qualquer herege ou cismático:

1. Incorrem em excomunhão ipso facto;


2. Se, depois de advertidos, não se emendarem, devem ser privados dos benefícios, dignidades, pensões, cargos ou outras posições que ocupam na Igreja e declarados infames, e os clérigos, repetida a advertência, devem ser depostos;


3. Se derem seu nome a qualquer seita não católica ou aderirem publicamente a ela, serão ipso facto infames; e o que está prescrito no cânon 188, número 4, permanece em vigor, os clérigos, depois de serem admoestados sem fruto, devem ser degradados.


§ 2. A absolvição da excomunhão, mencionada no § 1, é reservada de modo especial à Sé Apostólica, quando deve ser dada no foro de consciência. Contudo, se o crime de apostasia, heresia ou o cisma foi levado de qualquer forma, mesmo por confissão voluntária, ao foro externo do Ordinário do lugar, ele pode, mas não seu Vigário Geral sem um mandato especial, absolver o arrependido no foro externo, em virtude de sua autoridade ordinária, depois que a abjuração foi feita legalmente e observando tudo o que deve ser observado por lei; e qualquer confessor que tenha sido absolvido desta forma pode mais tarde absolvê-lo do pecado no foro da consciência. A abjuração considera-se legalmente feita quando é feita perante o Ordinário do lugar ou seu delegado e, pelo menos, perante duas testemunhas."


Ergo: Apenas o Ordinário do lugar (ou seja, um bispo com jurisdição ordinária) ou um delegado seu pode receber uma abjuração válida.

Nos comentários da edição da BAC feitos pelos doutores catedráticos da Pontifícia Universidade Eclesiástica de Salamanca, Lorenzo Miguelez Dominguez, Sabino Alonso Moran O.P., e Marcelino Cabreros de Anta C.M.F., esse cânone é comentado, explicado e esclarecido da seguinte forma:


"Figuras de delito: 1) Apostasia; 2) heresia, e 3) cisma, cujas definições estão contidas no cânon 1325, § 2, de acordo com 1323, § 1; Mas para que haja um crime, apostasia, heresia ou cisma devem se manifestar externamente por meio de atos ou palavras. Não partilhamos da opinião daqueles que sustentam que os números 2 e 3 do § 1 do cânone que comentamos contêm duas outras formas de crime; Estas são apenas circunstâncias agravantes. Sob o nome de seita não católica (§ 1, número 3) estão incluídas as seitas ateístas. (C. P. Int., 30 de julho de 1934; A.A.S., XXVI, 394.) Não se pode dizer que aqueles que defendem ou ajudam esses criminosos cometem o crime punido neste cânone, a menos que também sejam apóstatas, hereges ou cismáticos.


Pena. Há duas penas latae sententiae: excomunhão, para todo e qualquer criminoso, e infâmia por lei, na qual incorrem todos aqueles que se juntam a uma seita não católica. As demais penas, cuja aplicação está prevista no § 1, números 2 e 3, são ferendae sententiae.


Absolvição da excomunhão. É discutido no § 2 do cânon, que estabelece quando o Ordinário pode concedê-lo. O poder que este cânone lhe confere é ordinário e, consequentemente, delegável, e o mesmo, provavelmente, deve ser dito do Vigário Geral com mandato especial. Para a absolvição deve preceder a abjuração na forma jurídica, isto é, perante o Ordinário ou seu delegado e duas testemunhas, sendo diversas as fórmulas de abjuração, conforme se trate de batizados em heresia, ou de apóstatas e hereges que abandonaram a Igreja Católica. Para os primeiros, não se utiliza a profissão de fé de Pio IV, mas sim a fórmula contida na Instrução Geral do Santo Ofício de 1858 (Col. of. de Prop. Fide, ed. 1907, número 1178). Para este último, existem várias fórmulas, que se encontram no formulário do Santo Ofício, edição de 1901. A absolvição no foro externo deve ser concedida, observando as prescrições do Ritual Romano, título III, De Poenitentia, capítulo III, de abs. ab excom. in foro exteriori."


Ergo:  O Ordinário pode absolver no foro externo, mas seu Vigário Geral só pode fazê-lo se tiver um mandato especial. Esse poder de receber a abjuração e conceder a absolvição é jurisdicional e depende da posse canônica do ofício eclesiástico. Se um bispo vago tentasse receber a abjuração, a cerimônia seria inválida e sem efeito, pois ele não é nem Ordinário nem delegado.

O Natureza jurídico-legal da Abjuração.


  1. O que se entende por Ordinário?

Isso nos responde o mesmíssimo Códice, no título V, da potestade ordinária e delegada, o primeiro cânone e os subsequentes dizem:


"196 A potestade de jurisdição ou de governo, que por instituição divina existe na Igreja, divide-se em duas: uma pertence ao foro externo, e a outra ao foro interno ou da consciência, seja este sacramental ou extra-sacramental.


197 § 1. A potestade ordinária de jurisdição é aquela que, pelo próprio direito, está unida ao ofício; a potestade delegada é aquela que foi confiada a uma pessoa.



Ergo: A potestade ordinária de jurisdição é vinculada ao ofício específico de uma pessoa, e não é uma atribuição pessoal, mas sim uma autoridade que vem com o cargo designado canonicamente.
No caso do bispo vago, como ele não tem cargo de governar uma diocese, não possui a potestade ordinária de jurisdição, pois esta está associada ao ofício de governar uma diocese específica.

§ 2. A potestade ordinária pode ser própria ou vicária.


Ergo: A jurisdição ordinária pode ser própria, no caso do bispo residencial que exerce autoridade direta sobre uma diocese, ou vicária, no caso de alguém que exerce jurisdição em nome de outro (como o Vigário Geral ou um Administrador).
Um bispo vago não possui nenhuma dessas formas de jurisdição, pois ele não exerce a jurisdição própria de um bispo residencial nem a jurisdição vicária que poderia ser delegada a ele em um período interino ou transitório. Ele não tem um território para governar nem uma autoridade delegada para agir em nome de outro.

198 § 1. Sob o nome de Ordinário, entende-se, no direito, salvo se alguém for expressamente excluído, além do Romano Pontífice, o Bispo residencial, o Abade ou Prelado nullius e seu Vigário Geral, o Administrador, o Vigário e o Prefeito Apostólico, cada um para seu respectivo território. Da mesma forma, também são considerados Ordinários aqueles que, na ausência dos mencionados, lhes sucedem interinamente no governo, conforme prescrição do direito ou de acordo com constituições aprovadas, e, para seus súditos, os Superiores Maiores das ordens religiosas clericais isentas.


Ergo: O Ordinário é definido como uma pessoa que possui jurisdição territorial e que exerce sua autoridade dentro desse território. No caso do bispo, ele é considerado Ordinário quando é um Bispo residencial, ou seja, quando ele ocupa e governa uma diocese específica.

Um bispo vago, que não está à frente de uma diocese e não exerce jurisdição sobre um território específico, não se enquadra na definição de Ordinário, uma vez que ele não tem jurisdição residencial nem outro cargo que lhe confira autoridade territorial.

O Ordinário também pode ser alguém que governa interinamente, como um Administrador ou Vigário Geral, se ocorrer a vacância do cargo. Contudo, esse exercício interino de jurisdição requer uma autoridade delegada ou prescrita por direito.

No caso de um bispo vago, ele não está interinamente governando uma diocese, pois ele não tem um mandato delegado nem exerce jurisdição, sendo, portanto, incapaz de agir como Ordinário em qualquer contexto.

199 § 1. Quem possui potestade ordinária de jurisdição pode delegá-la, total ou parcialmente, a outra pessoa, a menos que o direito determine expressamente o contrário.


A própria absolvição no foro externo reconhece a necessidade de jurisdição ordinária ou delegada para realizar tal cerimônia.


A cerimônia se encontra no Ritual Romano, título III, De Poenitentia, capítulo III, de abs. ab excom. in foro exteriori. Vide:



Numa tradução, realizado por mim, disponibilizo as duas orações que o Ritual Romano coloca a disposição do Ordinário ou Delegado dele a serem usadas, uma em caso grave, e outra em caso não tão grave.


"Nosso Senhor Jesus Cristo te absolva, e eu, pela autoridade d'Ele e do nosso Santíssimo Senhor Papa (ou do Reverendíssimo Bispo N., ou de tal Superior), a mim confiada, te absolvo do vínculo da excomunhão na qual incorreste (ou foste declarado[a] ter incorrido), por tal fato (ou tal causa, etc.); e te restituo à comunhão e unidade dos fiéis e aos santos sacramentos da Igreja, em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém."


"Nosso Senhor Jesus Cristo te absolva, e eu, pela autoridade d'Ele e do nosso Santíssimo Senhor Papa (se for delegado pelo Papa), (ou do Reverendíssimo Bispo N., ou de tal Superior), a mim concedida, te absolvo, etc., como acima descrito."


Ergo: Se um bispo vago tentasse realizar essa cerimônia, ele não poderia dizer "a mim confiada/concedida", pois ele não possui jurisdição ordinária nem delegação vicária. Assim, qualquer absolvição que ele tentasse conceder seria nula e sem efeito legal. O ministro que realiza a absolvição não age em nome próprio, mas sim por uma autoridade que lhe foi confiada ou concedida. Essa autoridade vem do Papa, do Bispo residencial ou de um Superior com jurisdição habitual. Se o ministro não possui essa delegação, ele não tem poder para realizar a absolvição no foro externo (N.B.: No caso do foro externo, que é necessariamente jurisdicional, o princípio Ecclesia supplet só se aplica em caso de erro comum, já no foro interno, que é necessariamente sacramental, se aplica sempre e quando o estado de necessidade urge), apenas no interno per modum suppletionis, que já seria o suficiente junto com a professio fidei para reintegrar-lo na Igreja dada a situação atual de crise. No foro interno pertenceria interna e invisivelmente à Igreja Católica coram Deo, pela professio fidei pertenceria externa e visivelmente à Igreja Católica coram Ecclesia (isso na situacao atual da Igreja), já que alguém que professa a fé católica não pode professar outra fé ao mesmo tempo, subentendendo-se que a antiga e falsa fora abandonada, do contrário teríamos de negar o princípio de não-contradição e afirmar que é possível algo ser e não ser ao mesmo tempo sob o mesmo aspecto.

Essa afirmação é confirmada pelo próprio Códice, no cânone 2254 §1 é dito:


"Nos casos mais urgentes, isto é, quando as censuras latae sententiae não podem ser observadas externamente sem perigo de grave escândalo ou infâmia, ou se for difícil ao penitente permanecer em pecado mortal tempo suficiente para que o Superior competente as possa providenciar, então qualquer confessor pode, no foro sacramental, absolver dessas censuras, por mais reservadas que sejam […]"


Obs.: Pouco me importa o que fizeram o Pe. Cekada, o Bispo Musey ou o Bispo Schuckardt. Não devemos seguir homens, mas antes, a autoridade sábia Igreja. O movimento tradicional não tem o direito de criar disciplinas ou arrogar para si potestades que não lhe competem. Sigamos a Igreja; assim, as confusões em tempos de crise serão menores.


Gostaria também de deixar claro que, em nenhum momento neste artigo, se afirmou que a cerimônia não pode ser feita; apenas que, sendo realizada, seu efeito jurídico é nulo. Ademais, a cerimônia poderia ser realizada para efeitos meramente sociais, caso a pessoa que está sendo recebida assim o solicite, e o ministro que a recebe julgue conveniente. Contudo, sua realização não deve ser imposta por ninguém, nem a ninguém.


Tudo isso decorre do simples princípio de que aquele que juridicamente constata a vacância da Sé Apostólica é também quem teria a potestade de pôr fim a essa vacância. Assim, se alguém possui poder para governar no foro externo e para receber pessoas através dele, também teria que ter o poder de, por esse mesmo foro externo, expulsar pessoas da Igreja.


É evidente — e sempre foi consenso no movimento tradicional — que os bispos tradicionais não têm poder para excomungar ninguém. Ora, a faculdade de expulsar e de receber alguém na Igreja procede da mesma fonte, a de governo, que é intrinsecamente jurisdicional. Logo, o movimento tradicional não opera em questões reservadas ao foro externo, e resolve tais problemas (quando são passíveis de solução) no foro interno, como o próprio Código de Direito Canônico determina no caso de uma abjuração.






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